No quadro geral da mobilidade urbana brasileira, os mototáxis são uma realidade em muitas cidades, incluindo Salvador. Eles surgiram como uma resposta prática a desafios como engarrafamentos, ruas estreitas em áreas periféricas e a precariedade ou insuficiência do transporte público.
Em regiões metropolitanas e cidades médias, os mototáxis são vistos como uma solução ágil e acessível, especialmente para populações de baixa renda que precisam de deslocamentos rápidos e baratos. No entanto, o crescimento dessa modalidade tem gerado debates, sobretudo em relação à segurança.
A questão da segurança no trânsito
Um dos principais focos de discussão é o aumento de acidentes envolvendo motocicletas. Dados recentes mostram que as motos estão entre os veículos mais envolvidos em incidentes fatais no Brasil. Por exemplo, em 2024, foi reportado que, pela primeira vez, o número de mortes de motociclistas superou os casos de homicídios em São Paulo, acendendo um alerta sobre a segurança no trânsito.
Esse cenário é agravado pelo uso de mototáxis por aplicativos, uma tendência que se intensificou com a popularização de plataformas como o Uber Moto, que chegou ao Brasil em 2020 e hoje opera em várias cidades. Enquanto alguns defendem que os aplicativos podem trazer mais organização e rastreabilidade ao serviço, outros argumentam que a falta de regulamentação específica e o incentivo ao uso intensivo de motos ampliam os riscos.
Regulamentação: avanços e desafios
O Brasil já possui uma base legal para os mototáxis desde 2009, com a Lei Federal nº 12.009, que reconhece a profissão de mototaxista e estabelece requisitos como idade mínima, habilitação específica e uso de equipamentos de segurança. Porém, a aplicação dessa lei varia bastante entre os municípios, já que cabe às prefeituras regulamentar o serviço localmente.
Em São Paulo, por exemplo, o serviço de mototáxi por aplicativo foi proibido, mas há pressão de empresas e legisladores para liberá-lo, com projetos de lei em debate na Câmara Municipal. Em contrapartida, cidades como Fortaleza apresentam dados que desafiam a narrativa de que os aplicativos aumentam acidentes: entre 2014 e 2023, a frota de motos cresceu 46%, mas as mortes em acidentes caíram 41,8%, sugerindo que outros fatores — como campanhas de segurança e infraestrutura — podem influenciar mais do que o uso em si.
O panorama internacional: diferentes usos, diferentes contextos
No mundo, os mototáxis também são tema de debate, especialmente em países em desenvolvimento onde são comuns, como Tailândia, Índia, Nigéria e Quênia. Nesses lugares, eles são chamados de “boda-bodas” ou “okadas” e cumprem papel semelhante ao do Brasil: suprir lacunas de mobilidade. No entanto, a segurança também é uma preocupação global. Em Uganda, por exemplo, os acidentes com mototáxis levaram o governo a impor restrições severas. Já na Tailândia, há esforços para integrar as motos ao sistema de transporte público como veículos “alimentadores” de rotas maiores, reduzindo riscos com planejamento.
Esses países compartilham características com o Brasil: alta densidade populacional, ruas estreitas, tráfego caótico e orçamentos limitados para grandes obras. Nessas condições, as motos tornam-se uma solução barata e ágil. Na Nigéria, os “okadas” surgiram nos anos 1970 e 1980, em meio à crise econômica, e hoje são um pilar da economia informal. Na Índia, os “auto-rickshaws” e motos dividem esse papel, mas as motos se destacam pela agilidade no trânsito intenso.
No Brasil, os mototáxis atendem desde periferias até áreas urbanas onde o transporte coletivo não chega ou é caro — e o custo médio de uma corrida de mototáxi costuma ser significativamente menor do que o de um carro por aplicativo.
Nos Estados Unidos, o uso é ainda mais raro — restrito a cidades como Nova York ou Los Angeles, geralmente como serviço premium ou experimental. No Japão, por sua vez, os mototáxis praticamente não existem, dado o transporte público extremamente eficiente e a forte cultura de segurança no trânsito.
Condições materiais, culturais e geográficas
Podemos inferir que a prevalência dos mototáxis está fortemente associada às condições materiais e financeiras. Em países em desenvolvimento, eles refletem a necessidade de mobilidade acessível diante de desigualdades sociais, urbanização acelerada e falta de investimento público em transporte coletivo. Em contrapartida, nos países desenvolvidos, onde há mais recursos para infraestrutura, os mototáxis são vistos como luxo ou opção secundária.
Segundo um estudo da UITP (União Internacional de Transportes Públicos), em cidades com PIB per capita abaixo de US$ 10 mil, as motos representam até 30% dos deslocamentos urbanos; já em cidades com PIB per capita superior a US$ 30 mil, esse número cai para menos de 5%, sendo substituído por carros, bicicletas ou transporte coletivo.
Entretanto, não é apenas uma questão econômica. Cultura e geografia também influenciam. Na Tailândia, por exemplo, os mototáxis fazem parte da identidade urbana de Bangkok, mesmo com o crescimento do metrô. Na África, o terreno acidentado e a ausência de estradas pavimentadas favorecem o uso de motos. Já em países planos e frios, como a Holanda, as bicicletas dominam.
O caso de Salvador: contexto urbano e recorte social
Salvador apresenta uma dinâmica urbana particular: muitas áreas periféricas, ruas estreitas e um transporte público que, em diversos momentos, não atende adequadamente à população — sobretudo nos horários de pico ou em bairros afastados.
Nesse cenário, os mototáxis representam uma alternativa prática e acessível, especialmente para mulheres que conciliam trabalho, cuidados domésticos e múltiplos deslocamentos diários. Um artigo de 2021 da Agência Mural, sobre mototaxistas no bairro da Liberdade, destaca a importância do serviço para a população periférica. Embora o texto não mencione diretamente o gênero, sabe-se que mulheres nessas regiões dependem mais de transportes baratos e ágeis.
Além disso, em um contexto de insegurança urbana, muitas mulheres podem preferir os mototáxis a esperar ônibus em pontos desertos ou lotados, especialmente à noite.
A Prefeitura de Salvador e a Secretaria de Mobilidade (Semob) disponibilizam dados sobre a frota regularizada — eram 1.276 mototaxistas em 2021, por exemplo —, mas não há recorte por gênero nos relatórios públicos. O IBGE e o Denatran tampouco detalham o perfil dos usuários de mototáxis por cidade.
Pesquisas qualitativas, no entanto, fornecem pistas importantes. O geógrafo Ricardo Barbosa da Silva, da Unifesp, aponta que os mototáxis atendem especialmente populações vulneráveis, entre as quais muitas mulheres, por razões socioeconômicas, se encontram incluídas
Conclusão
Diante dos diferentes contextos analisados, os mototáxis se revelam como uma resposta prática às lacunas estruturais da mobilidade urbana, especialmente nos países em desenvolvimento. No Brasil, em particular, esse serviço tem papel relevante na articulação dos deslocamentos cotidianos de populações vulneráveis, oferecendo agilidade, acessibilidade e adaptabilidade frente às limitações do transporte coletivo. No entanto, sua expansão também exige atenção à segurança viária, regulamentação adequada e políticas públicas que promovam um sistema de mobilidade mais equilibrado, integrado e inclusivo.
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