A malha cicloviária de Salvador tem se consolidado como um componente central das políticas de mobilidade na cidade, refletindo uma tendência global de incentivo ao uso da bicicleta como alternativa de transporte. Desde 2012, a rede expandiu-se de 38 km para aproximadamente 310 km em 2021, segundo a Secretaria Municipal de Mobilidade (Semob), um crescimento de 492% que posiciona Salvador entre as cinco capitais brasileiras com maior extensão cicloviária. O Plano Cicloviário de 2024, elaborado com apoio do UK Pact, estabelece a meta de alcançar 700 km até 2034, demandando um investimento estimado de R$ 100 milhões e a construção de cerca de 40 km anuais. Esse esforço é parte da tentativa de atender a Lei Federal 12.587/2012, mas enfrenta desafios estruturais e contextuais que merecem uma análise cuidadosa.
A infraestrutura atual abrange diferentes tipologias — ciclovias segregadas, ciclofaixas pintadas e ciclorrotas sinalizadas — distribuídas de forma desigual pela cidade. Na orla atlântica, trechos como a Avenida Octávio Mangabeira (1,7 km) e a Avenida Tamburugy (2,1 km) conectam bairros como Pituba e Itapuã, atendendo principalmente a usos recreativos e turísticos. Em áreas centrais, a Rua Carlos Gomes (1,2 km) e o Centro Administrativo da Bahia (3 km) oferecem opções para deslocamentos comerciais e administrativos. Já em eixos mais periféricos, como a Avenida Suburbana (4 km) e a Avenida Paralela (3,3 km), há tentativas de ampliar o alcance da rede. O programa Salvador Vai de Bike, com 7 mil usos mensais de bicicletas compartilhadas em 2021, indica um crescimento na demanda, ainda que concentrado em áreas específicas. Com 10,7 km por 100 mil habitantes, Salvador está acima de muitas cidades brasileiras, mas distante de referências internacionais como Copenhague, que possui 70 km por 100 mil habitantes.
Entre 2013 e 2021, a malha cresceu a uma média de 34 km por ano, um ritmo significativo que reflete o investimento municipal em mobilidade sustentável. A localização de Salvador, com uma extensa orla plana e trechos viáveis em áreas como a Cidade Baixa, favorece a expansão em determinados setores. No entanto, limitações geográficas e urbanas impõem barreiras consideráveis. A topografia acidentada — 45% da área urbana com declividades acima de 10% — e o clima quente e úmido, com temperaturas médias superiores a 25°C, restringem o uso da bicicleta como transporte diário, especialmente em deslocamentos entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa. Estudos como os do ITDP em São Paulo sugerem que, em contextos semelhantes, a utilização de ciclovias pode ser baixa fora de horários de pico, um padrão que parece se repetir em Salvador, embora dados locais específicos sobre fluxo sejam escassos.
A distribuição espacial da malha revela, no entanto, uma desigualdade marcante. A concentração de ciclovias em bairros de classe média, como Barra, Rio Vermelho e Pituba, contrasta com a cobertura limitada em áreas periféricas, como Cajazeiras, Plataforma e partes do Subúrbio Ferroviário. Essa disparidade levanta questões sobre a equidade do modelo: enquanto a orla beneficia usuários recreativos e moradores de maior renda, populações que dependem de transporte acessível para deslocamentos longos permanecem pouco atendidas. A segurança é outro ponto crítico. Trechos como a ciclofaixa da Avenida Suburbana, sem segregação física em uma via de tráfego intenso, expõem ciclistas a riscos. Embora não haja estatísticas detalhadas locais, o padrão nacional — com 70% das mortes de ciclistas em áreas mal protegidas, segundo a ONG Ciclocidade (2022) — sugere vulnerabilidades que demandam melhorias em sinalização, segregação e educação viária.
A conectividade da rede também apresenta fragilidades. A malha é fragmentada, com trechos como o da Avenida Paralela desconectados de rotas centrais, dificultando deslocamentos contínuos. A integração com outros modais, como o BRT e o metrô, é um objetivo declarado do Plano Cicloviário, mas avança lentamente. O BRT, inaugurado em 2022 com 10 km de corredores e 315 mil usuários mensais, opera em eixos como a Avenida ACM, mas carece de bicicletários ou acessos diretos às ciclovias próximas. O metrô, com estações como Pirajá, oferece potencial semelhante, porém a infraestrutura de suporte para ciclistas ainda é incipiente. Além disso, a manutenção da malha cicloviária deixa a desejar: relatos apontam pavimentação irregular, sinalização deficiente e iluminação inadequada em áreas como Itapuã e Saboeiro, comprometendo a funcionalidade da rede.
O Plano Cicloviário de 2024 propõe soluções como expansão para 700 km, integração multimodal e participação comunitária, mas sua implementação enfrenta obstáculos conhecidos: orçamento restrito, execução inconsistente e a necessidade de superar barreiras geográficas e climáticas. Em termos comparativos, os 310 km atuais representam um avanço expressivo, mas a meta de 24 km por 100 mil habitantes até 2034 ainda ficará aquém de cidades modelo.
A malha cicloviária de Salvador é um ativo em construção, com potencial para consolidar uma mobilidade mais sustentável, desde que supere suas limitações. A topografia, o clima e a desigualdade social exigem um planejamento que vá além da simples adição de quilômetros, priorizando conectividade, segurança e equidade. Enquanto isso, a integração com o BRT e o metrô pode ser a chave para ampliar seu impacto — mas, por ora, a rede pedala em um terreno promissor, porém acidentado.
Comentários