Cerca de um terço dos deslocamentos diários nas maiores cidades brasileiras é feito à pé. Um terço! Esse dado por si só deveria ser suficiente para que tivéssemos uma atenção especial com as vias por onde se dá essa movimentação. Infelizmente não é o que acontece.
As calçadas em boa parte do Brasil sofrem com inadequação do seu design e, sobretudo, com a falta de manutenção. O diagnóstico para esse segundo ponto é relativamente simples; ninguém quer ser o pai da criança.
As calçadas estão definidas no Código Brasileiro de Trânsito como parte da via pública, que inclui as vias motorizadas e não motorizadas, incluso as calçadas. Sim, o DENATRAN não legisla apenas sobre transporte motorizado mas, também, sobre os veículos não motorizados e os pedestres. Dessa maneira, como um bem público, as calçadas fazem parte das responsabilidades das municipalidades. Esse entendimento também está na Lei Federal 6.766/79 que versa sobre o parcelamento do solo urbano, bem como na Lei Federal 10.098/00 de acessibilidade. Boa parte das prefeituras do país, no entanto, se aproveitando de brechas ou imprecisões nessas leis, transfere o ônus da execução e da manutenção das calçadas aos proprietários dos lotes.
Não vou entrar aqui nesses melindres jurídicos, até porque não estou entre os adeptos dos que se regozijam que exista a interpretação de juízes para todos os aspectos da nossa vida cotidiana. Eu, como cidadão e amparado nessas leis acima, vejo claramente como inconstitucional empurrar a responsabilidade do bem público para o proprietário privado. Agora, como urbanista, acho a coisa toda muito pior e, sem dúvida, que esse é um dos principais problemas para o descaso com boa parte das calçadas em todo o Brasil.
Uma calçada não se limita à extensão da testada de um lote. Isso é óbvio. Por definição é uma via de circulação, dentro dos bairros e os conectando com o restante da cidade. Logo, precisa ter unidade no seu design; o que significa dimensões, materiais, declividades, definições para instalação de equipamentos, infraestrutura de concessionárias públicas e mobiliário urbano. Bem como manutenção constante. Ora, não tem como isso ficar nas mãos de entes privados. Não precisa muita explicação aqui. E não é com a edição de cartilhas técnicas, como foram feitas em São Paulo, Vitória, Salvador e outras cidades, que essa unidade vai ser mantida, porque cada proprietário tem o seu tempo particular que não, necessariamente, coincide com o interesse público. Visto o que aconteceu em muitas cidades com a instalação atabalhoada dos pisos táteis para deficientes visuais, com cada um interpretando à sua maneira, a instalação e a Lei 9050. O resultado foi não menos que trágico e pode ser visto em outro post aqui no blog.
Além de tudo, como já dito, trata-se de uma transferência de responsabilidade indevida e injusta, muitas vezes sob a pena de multas. Enquanto isso, em muitas cidades, nem mesmo as calçadas em frente aos edifícios públicos têm manutenção adequada.
Creio que os Ministérios Públicos Estaduais poderiam fazer uma tour de force para pressionar a regulamentação, de forma clara, da responsabilidade municipal dessa fundamental infraestrutura da mobilidade pública e de muitos outros aspectos da qualidade urbana, como sociabilidade, segurança, inclusão, pertencimento etc, mas que não vou desenvolver aqui nesse texto. Volto ao assunto em outras postagens, no entanto. E qual é a sua opinião?
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