A volta da calçada portuguesa em Salvador

Fotos Marcos Rodrigues

Por volta de 2008, uma discussão tomou conta da cidade por causa da decisão da Prefeitura (gestão João Henrique Carneiro) de erradicar as calçadas em mosaico português de diversos trechos da cidade, inclusive de bairros onde o pavimento mantinha certa relação de identidade, como no caso da calçada da orla da Barra. As justificativas passavam, sobretudo, por questões de custos de manutenção e dificuldades para a acessibilidade. Também uma notória falta de qualificação de mão de obra para lidar com as pedras de calcário (calceteiros) pesou nas alegações de quem condenava o piso de origem portuguesa.

Finalmente, já na gestão do prefeito ACM Neto, com o chamado projeto de requalificação, a pavimentação foi substituída por uma combinação de blocos de cimento intertravados, granito e concreto.

É fato que a pavimentação em mosaico português tem uma história relativamente recente na cidade. Pouco mais de 100 anos. Boa parte do recobrimento com essas pedras se dá no período modernista do prefeito José Joaquim Seabra, quando das aberturas de vias como a Avenida Sete de Setembro. Não dá pra enquadrá-las exatamente na condição de patrimônio.

Podemos enumerar, no entanto, algumas vantagens da calçada em mosaico português. As pedras são resistentes, podendo ser utilizadas até em acessos de veículos; a durabilidade é muito maior do que pisos de concreto que fissuram e trincam, inclusive na manutenção da sua estética original; as pedras são antiderrapantes; a limpeza e manutenção são simples; em cidades quentes como Salvador, a temperatura das pedras apresentam um conforto térmico muito melhor que os pisos de concreto e granito; a boa permeabilidade à água, que ajuda a minimizar problemas de drenagem, além da beleza e versatilidade para executar desenhos diversos. O problema maior é mesmo a falta mão-de-obra formada para esse fim que, mesmo Lisboa, que montou uma escola de calceteiros, passa por problemas nesse sentido.

No período que antecedeu os preparativos para a Copa do Mundo de Futebol de 2014, onde Salvador era umas das sedes, fui contratado pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano - SEDUR, para fazer um estudo preliminar de identidade urbana, no que o Governo do Estado estava chamando de "rotas acessíveis" para o estádio da Fonte Nova e isso incluía pensar o desenho de calçadas. Aproveitei a chance para fazer um desenho onde a pedra portuguesa voltava em parte da calçada, na chamada "faixa de serviço", onde ficam locados os equipamentos urbanos como postes, bancos, lixeiras etc, deixando a faixa de circulação em concreto. Com isso ganhava, também, uma mudança de textura no calçamento que passa a servir como linha guia para deficientes visuais, eliminando o equívoco espalhado pela cidade de se colocar piso tátil em todas as calçadas. Já escrevi sobre isso em outra postagem.

Detalhes do desenho proposto.

Não acompanhei os desdobramentos desse estudo que passou às mãos de uma empresa de Engenharia para o seu desenvolvimento, transformação em projeto executivo e execução. Até que um dia fui surpreendido pelos desenhos que fiz, executados em torno do Mercado Modelo. Mal executados, diga-se de passagem. Não só na confecção dos gabaritos que acabou tirando muito da delicadeza do motivo, como da execução sem uso da boa técnica, deixando as pedras demasiadamente espaçadas. A rápida deterioração comprova.

A decepção daquele momento foi substituída, recentemente, por uma grata surpresa quando vi as novas calçadas feitas no bairro do Comércio. Não só a mesma ideia estava mantida como foi a faixa de pedra foi alargada e está um pouco melhor executada.

Meu antigo desenho e a nova calçada



Um trecho onde os dois motivos ainda se encontram.

Do Comércio as novas calçadas em pedra portuguesa estão voltando também em diversos pontos na reforma da Avenida Sete, até mesmo com a manutenção do motivo de 1919, no caso do Corredor da Vitória. Espero falar melhor dessas novas calçadas numa nova postagem.





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