Lento, Moderato, Presto, Prestissimo

photo Taís Melillo
Metrô de Nova Iorque.

As velocidades da Cidade Contemporânea



O pensamento adjacente ao mundo em que vivemos - das metrópoles contemporâneas ocidentais - move-se na direção da procura de novos espaços desde que Galileu Galilei descobriu a Lei dos Corpos e enunciou o Princípio da Inércia, no século XVI. Começo do fim para a era medieval e para o horizonte restrito aos lugares de localização. Desde então a possibilidade do espaço aumentado estava dada. Mover-se (epur si muove!), para os habitantes desse planeta, passa a ser dado naturalizado, inerente à sua própria humanidade.

As cidades são o locus privilegiado da circulação. Dos corpos, dos objetos. A era moderna moldou as características diversas que ainda marcam as cidades de hoje: a transitoriedade, os choques físicos, o olhar fragmentado e distraído, a vulnerabilidade.


O automóvel e, sobretudo, o cinema alteraram o olhar humano, esquadrinhando e alterando a velocidade (câmera lenta ou acelerada) e a linearidade das narrativas. O mundo perde parte da sua profundidade e prenuncia-se o universo das superfícies.


Com a compressão do espaço e do tempo, proporcionado pelos transportes e pelos meios de comunicação sem deslocamento corporal, também se relativizam as questões sobre lugar, vizinhança por contigüidade territorial e cotidiano. É, como diz Foucault, a substituição dos lugares de localização pelos lugares de extensão. Substituição da hierarquia dos lugares medievais por um espaço aberto, sem margens nem centro. E, em 1967, o pensador avança, e já define o mundo atual como lugar do posicionamento (emplacement), em substituição aos espaços, modernos, de extensão, enunciando os conceitos de vizinhança por pontos e em redes.
No entanto, ainda que a aceleração da circulação seja uma das características e um dos valores do atual momento, hipermoderno, ela não define por si só as metrópoles contemporâneas. Assim como a velocidade não é necessariamente um mal, nem a vertigem que consumirá o mundo numa bomba informática, como diz Virilio emulando Einstein.

Dominar Chronos continua sendo, desde Galileu, o desejo de mortais e não apenas um imperativo do capitalismo avançado, onde desterritorialização, fluxos diversos e identidades híbridas seriam imposições frente às necessidades de circulação de capitais transnacionais.



É também tempo de outras velocidades. Uma época de simultaneidade e justaposição. Dos choques físicos e da telepresença. Das aglomerações e da dispersão. As cidades, nos dias que correm, se mostram e se escondem em camadas diversas e precisam tanto de calçadas largas quanto de redes wi-fi, precisam tanto de ciclovias quanto de fibras óticas. Precisam de praças e telecentros e bancos e GPS e metrôs e árvores e celulares.


É um falso problema pensar nas cidades como espaço das ilusões para os que têm mobilidade e como locus da realidade para os desprovidos dos confortos tecnológicos; seja o deslocamento em automóveis ou o flanar cibernético. É uma construção frágil, que se aproxima da crença romântica do bom selvagem, de Rousseau.


Nas cidades periféricas do globo, onde os problemas sociais possuem contornos dramáticos, essa questão costuma ser mais freqüente. Limitar a velocidade, então, parece ser, para os teóricos do ‘lugar’, o contraponto correto à hegemonia do poderoso centro, que passa pelos números nervosos das bolsas de Tóquio, Paris, Londres e Nova Iorque.


E, quase como teoria adjacente, tem-se em pauta o velho debate que contrapõe natureza e artifício, natureza e cultura. No caso da velocidade ou, de mais velocidade, essa dicotomia, de forma invariável, passa pela questão tecnológica. Que vira símbolo do mal da civilização.


Como diz Ieda Tucherman, essa oposição foi produzida no mundo moderno e está diretamente relacionada com a idéia de “perda” que caracteriza os apocalípticos que choram a uma pretensa volta a uma essência da realidade.
A questão atual, para Tucherman, vai além desse dualismo e tem outra perspectiva: o cultural está intervindo no biológico, na carne. A biotecnologia entra em cena e a engenharia genética coloca a todos em face às questões dos seres híbridos. As próteses, antes objetos externos, entram em simbiose com o corpo humano, essa última fronteira. Titânio e ossos, chips e epiderme.

Não é preciso, no entanto, se alinhar com os que já vislumbram o pós-humano, o pós-biológico, o pós-histórico, para entender que a cidade contemporânea tem redes mais complexas que uma divisão dual entre lentos e rápidos. Conceitos, estes, que apenas atualizam e inflacionam a nomenclatura para os termos clássicos da luta de classes.


Os hackers da América Latina e do Oriente Médio; os Zapatistas e a Al Qaeda; o PCC e os eletropunks já sabem, entretanto, que tecnologia também significa
possibilidades para os excêntricos e que as metrópoles movem-se em andamentos diversos. Nada mais cotidianamente normal em Miyagi, no nordeste de Tóquio, que atravessar a cidade a 360 km/h num trem bala, ouvindo no iPod o segundo movimento do Concerto em Lá Maior para Clarineta, de Mozart. Em delicado adagio.
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