Quanto mais os telescópios forem aperfeiçoados mais estrelas surgirão
Paisagens mediadas
Desde que no Renascimento Filippo Brunelleschi criou com Leon Batista Alberti a perspectiva artificialis e com ela o primeiro instrumento processador de uma imagem técnica - a tavolleta - o olhar do homem nunca mais foi o mesmo. Os princípios do apetrecho dos renascentistas instituíram a câmera escura e a base para captação de imagens que dura até os dias de hoje: na fotografia, no cinema, na televisão.
Mudaram as bases de fixação dessa imagem. De chapas metálicas para películas com nitrato de prata, para tubos catódicos, para fitas magnéticas, para discos rígidos. Mudou também o alcance visual com o uso e aperfeiçoamento das lentes; microscópicas, grande angulares, telescópicas. Próteses da visão.
Com o cinema e as imagens em movimento, mais do que os ângulos inusuais e o zoom - já possíveis na fotografia estática - as técnicas de edição subverteram o espaço/tempo “real”. Essa última considerada pelo cineasta russo Sergei Einsenstein como a mais importante característica do cinema. Invertendo seqüências, cortando passagens, enxertando imagens, misturando tempos e lugares.
As técnicas e capacidades diversas do registro cinematográfico quando passam à TV, à sua difusão por antenas e satélites e à sua recepção doméstica, banalizam a imagem editada. Assim também o zoom, o superclose, os movimentos diversos da câmera como travellings e panorâmicas, bem como os ângulos inusuais.
Mais de um século em que o homem tem a possibilidade de vistas aéreas, submarinas, subterrâneas, em velocidades diversas. Choques violentos em câmera lenta ou a passagem de todo um dia num só minuto. Mais de um século tendo a câmera como prótese da visão. O século moderno: que tornou a visão fragmentada, arrítmica, atemporal, artificial. Tornou a todos um pouco ciborgues. É já é passado.
Desde o advento do processamento binário da informação que a imagem libertou-se do referente. Já não é nem mais imagem (duplo, espelho, representação), mas sim ‘imagem de síntese’, autoreferenciada. Não precisa do “real” para existir. Fractais, simuladores de vôos, videogames, maquetes virtuais. Mundo de bits e pixels.
Cidades e limites escrituras no tempo
A cidade antiga, pré-moderna, tinha seus contornos definidos por marcos arquitetônicos bem palpáveis, no que Benjamin chamava de ‘olhar tátil’. O castelo, a catedral, os muros e os portões. Uma leitura linear com frente, fundo, laterais e percursos definidos.
A cidade moderna, de Kevin Lynch, ainda se pautava pelos suportes físicos da memória, ancorados em marcos arquitetônicos e urbanísticos. Na cidade contemporânea, ampliada, cidade de interfaces, temos um diluição dos limites objetivos. A entrada da cidade não mais corresponde, necessariamente a um ponto localizado geograficamente, mas pode ser um website governamental acessado de um outro país ou um terminal eletrônico num aeroporto fora dos limites geográficos da cidade.
A arquitetura é cada vez menos uma escrita linear no tempo e no espaço que preserva a nossa memória coletiva; um dos conceitos de monumento. Victor Hugo em Notre Dame de Paris, já dizia a respeito da invenção da imprensa em relação aos monumentos arquitetônicos “este matará aquele” (ceci tuera cela).
Fim das dobras, fim da cidade Barroca
Gustave Flaubert
Desde que no Renascimento Filippo Brunelleschi criou com Leon Batista Alberti a perspectiva artificialis e com ela o primeiro instrumento processador de uma imagem técnica - a tavolleta - o olhar do homem nunca mais foi o mesmo. Os princípios do apetrecho dos renascentistas instituíram a câmera escura e a base para captação de imagens que dura até os dias de hoje: na fotografia, no cinema, na televisão.
Mudaram as bases de fixação dessa imagem. De chapas metálicas para películas com nitrato de prata, para tubos catódicos, para fitas magnéticas, para discos rígidos. Mudou também o alcance visual com o uso e aperfeiçoamento das lentes; microscópicas, grande angulares, telescópicas. Próteses da visão.
Com o cinema e as imagens em movimento, mais do que os ângulos inusuais e o zoom - já possíveis na fotografia estática - as técnicas de edição subverteram o espaço/tempo “real”. Essa última considerada pelo cineasta russo Sergei Einsenstein como a mais importante característica do cinema. Invertendo seqüências, cortando passagens, enxertando imagens, misturando tempos e lugares.
As técnicas e capacidades diversas do registro cinematográfico quando passam à TV, à sua difusão por antenas e satélites e à sua recepção doméstica, banalizam a imagem editada. Assim também o zoom, o superclose, os movimentos diversos da câmera como travellings e panorâmicas, bem como os ângulos inusuais.
Mais de um século em que o homem tem a possibilidade de vistas aéreas, submarinas, subterrâneas, em velocidades diversas. Choques violentos em câmera lenta ou a passagem de todo um dia num só minuto. Mais de um século tendo a câmera como prótese da visão. O século moderno: que tornou a visão fragmentada, arrítmica, atemporal, artificial. Tornou a todos um pouco ciborgues. É já é passado.
Desde o advento do processamento binário da informação que a imagem libertou-se do referente. Já não é nem mais imagem (duplo, espelho, representação), mas sim ‘imagem de síntese’, autoreferenciada. Não precisa do “real” para existir. Fractais, simuladores de vôos, videogames, maquetes virtuais. Mundo de bits e pixels.
Cidades e limites escrituras no tempo
Com a compressão de tempo e espaço operada pelas novas tecnologias de informação e comunicação, as cidades experimentam um duplo movimento de forças que tendem a tornar ainda complexa a compreensão da sua materialidade. Por um lado a comunicação em tempo real que permite teleconferências, teletrabalho, transações financeiras, visualizações à distância etc, expande os limites da cidade contemporânea para além das coordenadas geográficas. Na outra mão, um movimento acelerado procura prospectar a cidade e eliminar suas zonas de sombras. Toda uma tecnologia que fotografa, filma, registra e localiza, numa busca contínua pela transparência: câmeras, circuitos de TV, celulares que fotografam, palmtops, GPS etc. A leitura da cidade fragmenta-se, torna-se não-linear.
A cidade antiga, pré-moderna, tinha seus contornos definidos por marcos arquitetônicos bem palpáveis, no que Benjamin chamava de ‘olhar tátil’. O castelo, a catedral, os muros e os portões. Uma leitura linear com frente, fundo, laterais e percursos definidos.
A cidade moderna, de Kevin Lynch, ainda se pautava pelos suportes físicos da memória, ancorados em marcos arquitetônicos e urbanísticos. Na cidade contemporânea, ampliada, cidade de interfaces, temos um diluição dos limites objetivos. A entrada da cidade não mais corresponde, necessariamente a um ponto localizado geograficamente, mas pode ser um website governamental acessado de um outro país ou um terminal eletrônico num aeroporto fora dos limites geográficos da cidade.
A arquitetura é cada vez menos uma escrita linear no tempo e no espaço que preserva a nossa memória coletiva; um dos conceitos de monumento. Victor Hugo em Notre Dame de Paris, já dizia a respeito da invenção da imprensa em relação aos monumentos arquitetônicos “este matará aquele” (ceci tuera cela).
Fim das dobras, fim da cidade Barroca
A visão (e a percepção) da paisagem urbana, sobretudo a arquitetônica, não é mais hoje necessariamente seriada e linear como num percurso a pé, mas sim, desde o advento das tecnologias da captação da imagem em movimento é também fragmentada, arrítmica, atemporal e maquínica. Nos últimos anos as chamadas mídias localizadas vieram comprometer um pouco mais o romantismo da figura do flanêur e sua relação com o andar à deriva. Com a tecnologia de geoprocessamento (GPS) em combinação com os telefones portáteis, está cada dia mais difícil perder-se numa cidade ou mesmo descobrir um lugar por acaso. As dobras, surpresas e descobertas urbanas estão cada vez mais para assunto de literatura.
A Igreja do Passo, em Salvador, que foi cenário para o filme O Pagador de Promessas, possui uma escadaria monumental. Um movimento de ascendência leva ao limite, ao ponto máximo: a própria igreja. Quer dizer; isso até a invenção de máquinas voadoras, câmeras e de publicitários. Num vídeo promocional sobre a Bahia, a Igreja do Passo vira apenas uma passagem numa busca desenfreada paro o mar e sua escadaria, uma clareira facilmente transponível.
Videoshots das Igrejas do Passo e do Bonfim, em Salvador
Videoshots das Igrejas do Passo e do Bonfim, em Salvador
Da mesma forma a famosa Igreja do Bonfim, também em Salvador, vista por meio de uma câmera num helicóptero de telejornalismo, não acolhe mais o olhar particular e intransferível do fiel que chega a um santuário e deve erguer os olhos, mas se transmuta em objeto, dessacralizado, sob um olhar onipotente que a perscruta por todos os ângulos, a desvela, e transforma o enquadramento de um na visão de milhares. A Colina Sagrada vira plano e, na verdade, no dia da festa do Senhor do Bonfim, pela TV se chega à igreja muito antes do alegre cortejo de 8 km.
Arquitetura e lugar
Embora a arquitetura tenha hoje a sua importância relativizada como referência do espaço e do tempo, em contraposição ao aumento das materializações efêmeras, sobretudo publicitárias, em parte pela proliferação de novos suportes artificiais da memória (imprensa, fotograma, vídeo, pixels e bits), paradoxalmente, o tecido urbano de grandes metrópoles tem sofrido intervenções arquitetônicas de grande porte, com reconversões inteiras de antigas áreas industriais e portuárias, onde uma arquitetura monumental tem se sobressaído. Os Grandes Projetos em Paris; Berlin e a incorporação da parte oriental; Lisboa; Buenos Aires e, aqui em Salvador, fala-se na requalificação da área do bairro do Comércio. Toma-se então a arquitetura com uma espécie de último bastião para reterritorializar as cidades. A tentativa de construção de novas narrativas através da construção de novos monumentos que possam, quem sabe, criar identidades por projeto, no dizer de um Castells. Uma tarefa conservadora para arquitetos e urbanistas.
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